O que aconteceu com Keith Kellogg? A pergunta rondou os meios diplomáticos americanos desde que Donald Trump puxou o telefone e ligou para Vladimir Putin, em 12 de fevereiro, iniciando conversas para tentar acabar com a Guerra da Ucrânia que nunca viram o negociador-chefe da Casa Branca presente.
A resposta mais precisa é simples, ainda que comporte interpretações diversas dos detalhes: ele foi rifado pelo próprio Trump após não satisfazer o chefe e ter o nome vetado informalmente pelo Kremlin, que o vê como um agente ucraniano disfarçado.
Na sexta passada (14), sem alarde, Trump anunciou em redes sociais que orgulhosamente nomeava Kellogg como seu “enviado especial presidencial para a Ucrânia”, dada sua proximidade com Volodimir Zelenski. Perdeu na postagem o complemento “e Rússia” do seu título.
A Folha buscou reconstituir a linha do tempo do que ocorreu com o general aposentado, ouvindo duas pessoas com conhecimento do tema em Moscou e outras duas, em Washington. Há concordâncias gerais sobre os fatos, e alguma dissonância sobre o que foi mais preponderante para o rebaixamento de Kellogg.
O militar de 80 anos, que serviu na Casa Branca na primeira gestão Trump e é tão alinhado com o republicano que fundou um instituto para divulgar suas ideias, fora escolhido para representar o presidente nas negociações sobre a Guerra da Ucrânia no dia 27 de novembro.
Confirmado após a posse de Trump, em janeiro, ele partiu para uma viagem europeia com parada na sede da Otan, na Alemanha e na Ucrânia. “Nada de Rússia”, como notou um dos observadores ligados ao Kremlin consultados.
Ao mesmo tempo, como a Folha relatou, uma miríade de contatos sem coordenação ocorria entre Washington e Moscou. Os interlocutores tinham ora o calibre do filho presidencial Donald Jr., ora de empresários da área de petróleo. O Departamento de Estado estava ausente.
A balbúrdia irritou Putin, que mandou seus subordinados fazerem queixas públicas à falta de um plano ou de uma iniciativa. Isso levou Trump a começar o jogo por conta própria. Novamente, nada de Kellogg à vista.
A situação ficou escancarada na primeira reunião EUA-Rússia de fato desde a guerra iniciada em 2022, no dia 18 de fevereiro em Riad. Os sauditas estavam felizes com o papel renovado de centro regional que os Emirados Árabes e o Qatar vinham lhes tomando, mas o enviado especial presente era Steve Witkoff.
O empresário do ramo originário de Trump, o imobiliário, havia sido designado para lidar com a guerra no Oriente Médio. Entregou para o chefe uma posse enfeitada pelo cessar-fogo entre Israel e Hamas logo na sua véspera, que o republicano naturalmente clamou como sua obra —agora que a coisa desandou, o problema é de Binyamin Netanyahu.
Segundo um diplomata americano, isso encantou o republicano, que se gaba de ser o rei de negociações improváveis. Ainda assim, a presença de Witkoff na Arábia Saudita sugeria uma deferência a seu papel regional, e ficou por isso.
A diplomacia oficial já estava à mesa, com o secretário de Estado, Marco Rubio. Ela conduziu a reunião seguinte, na Turquia, sem sinal de Kellogg. Como Witkoff também não estava, parecia uma ausência normal, até que alguns veículos, como o site Politico, começaram a questionar o que ocorria.
A essa altura, o general já era persona non grata extraoficialmente em Moscou havia algumas semanas. Segundo um dos ouvidos pela reportagem, o recado a Trump foi passado ao mesmo tempo em que Putin começou a chiar pela cacofonia de contatos de Washington.
Ele teria sido vetado de cara em Riad porque tinha uma relação com Zelenski de alguns anos, desde que fora assessor da Casa Branca na área de segurança. Em um trabalho publicado no seu American First Policy Institute no ano passado, ele dizia que não haveria paz com Putin no poder.
O veto foi estabelecido, mas diferentemente do que sugeriram veículos como a rede ABC ou a agência Reuters na semana passada, talvez haja nuances acerca de sua importância na confecção do cadafalso oferecido a Kellogg. Segundo outro americano próximo das tratativas, foi a impaciência de Trump o principal motivo da queda do enviado.
O presidente americano, segundo essa versão, queria que ele saísse do período anterior ao telefone para Putin com um plano que pudesse ser vendido como infalível como o do cessar-fogo de Gaza. A realidade, claro, ficaria para depois.
Mas Kellogg havia estado na Europa sem ouvir os russos, e voltara com o arrazoado das demandas pesando mais em favor de Kiev. Se essa percepção, captada em Moscou, não importava tanto a Trump, a falta de uma solução simplista foi fatal.
O presidente foi em frente com o bullying sobre Zelenski e, agora, a tentativa frustrada de forçar Putin a um cessar-fogo total e temporário. Witkoff segue a seu lado, mas paradoxalmente o que se viu até aqui em termos de tática negocial Trump deve a Kellogg.
Em um texto de abril passado, ele defendeu que os EUA deveriam armar Kiev para garantir a vigência de uma trégua, mas que “futura ajuda militar americana implicaria a participação da Ucrânia em conversas de paz”.
A retirada e depois volta do apoio militar a Zelenski foi uma das poucas coisas concretas que Trump fez até aqui nas negociações, e no discurso levou o ucraniano a topar conversar. Como é usual, resta o teste da realidade, que terá nova rodada com americanos encontrando enviados de Kiev e de Moscou na segunda (24) na Arábia Saudita.