Beleza Fatal traz de volta conforto que tínhamos anos atrás com novela



Tido como “menor” por grande parte da classe artística, a gente aqui do lado de baixo do Equador sabe o valor de um novelão faz tempo.

Por isso, passa oito meses esperando o vilão assumir que é gay e beijar um mocinho (saudades, Félix). É capaz de rever mil vezes Glória Pires se transformar em uma vilã asquerosa na mesma cena em que vive a recatada irmã boazinha. Repete o R raspado de “Rrrrrrrita” como Adriana Esteves até hoje. Também fica impressionado que o corpo e rosto de Claudia Ohana pouco mudou desde sua Natasha, em 1991. Não dá para ouvir Lara Fabian sem chorar com a careca de Carol Dieckmann. É impressionante: gostamos disso desde o tempo em que gostávamos da Regina Duarte.

Novela é cultura, é patrimônio, é lazer. Não tem erro. Até quando você passa raiva com Camila Queiroz quebrando a casa da mulher que a acolheu na infância e a criou, é um passar raiva com gosto. Na hora, tudo fica menos importante. Joga mais água fria nela, Giovanna Antonelli.

O apelo é tamanho que trama boa vira outro tipo de entretenimento. Por exemplo, a pesquisadora Cintia Marcucci pegou essa paixão nacional e traduziu a cultura em mais cultura. Ela estuda a sociedade brasileira pautada em novela antiga. O preço da laranja, a variedade do café da manhã e a onipresença da jarra de abacaxi e do filtro de barro. Sério, não vai ter uma série no catálogo gringo que traduza o cheiro da casa da nossa avó tão bem quanto um vitrôzinho de cozinha e Regina Casé com um pano de prato no ombro —ai que saudade da Dona Lourdes. Cintia dá aula sobre o assunto e atualiza as novidades em seu perfil Comida de Novela no Instagram.

Pega essa, Audiard, novela é um jeito de entender a sociedade em que estamos inseridos —imagina quão complexo é entender a sociedade em que nem inseridos estamos, como deveria ter feito a turma de “Emilia Perez”.

Todo mundo está meio corrido. John Kaag, professor na Universidade de Massachusetts afirmou no último SXSW que lemos hoje, em um único dia, o mesmo que Voltaire leu a vida toda. Não é raro que eu me pegue tentando interpretar um artigo acadêmico e deixando informações para digerir em uma suposta segunda leitura que nunca vai acontecer. “Será que estamos absorvendo conhecimento ou só engolindo mais informação?”, ele pergunta. A resposta óbvia dá uma sensação de muito trabalho em vão.

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