A empresa de mídia do presidente dos EUA, Donald Trump, e a plataforma de vídeos Rumble entraram com uma ação conjunta em um tribunal federal americano contra o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes. O processo foi movido em distrito na Flórida onde o Rumble está sediado.
As plataformas afirmam que recentes ordens de Moraes determinando que o Rumble feche a conta do influenciador bolsonarista Allan dos Santos e forneça os seus dados de usuário violam a soberania dos Estados Unidos, a Constituição americana e as leis do país. As ordens de Moraes foram emitidas de forma sigilosa e proíbem que o Rumble divulgue seu teor.
O Rumble saiu do Brasil em dezembro de 2023 devido ao que descreveu como diversas “ordens injustas de censura” emitidas por Moraes para banir da plataforma criadores de conteúdo e figuras públicas, incluindo parlamentares.
Na época, Moraes determinou que o Rumble mantivesse sigilo sobre essas ordens, ameaçando a empresa com a interrupção de seus serviços no Brasil caso não a cumprisse imediatamente. A decisão da plataforma de sair do país se deu para evitar a imposição de multas pela Justiça brasileira. Num contexto semelhante, Moraes ordenou em agosto passado a suspensão da rede social X (ex-Twitter) no Brasil por não cumprir determinações de remoção de perfis e postagens.
Este jornalista obteve e publicou uma dessas ordens sigilosas em janeiro de 2023. O documento, endereçado a múltiplas plataformas, concedia um prazo de apenas duas horas para o cumprimento das exigências, sob pena de multas diárias substanciais. Diante dessa pressão, o Rumble optou por encerrar suas operações no Brasil.
Com a nova administração Trump prometendo proteger a liberdade de expressão das empresas americanas contra censura imposta por governos estrangeiros, e com Moraes recentemente revogando a ordem que bloqueava a conta do podcaster Monark no Rumble, a plataforma retomou seu serviço no Brasil no início deste mês. Quase imediatamente, o ministro enviou novas determinações aos ex-advogados do Rumble no Brasil, instruindo-os a continuar representando a empresa para que pudessem receber suas ordens.
A nova medida de Moraes que está no centro do processo exige que o Rumble encerre permanentemente a conta de Allan dos Santos e impeça a criação de novos perfis. Diferente de ordens anteriores, essa determinação não se limita a bloquear o conteúdo de Allan dos Santos no Brasil, mas exige sua remoção total da plataforma, impedindo-o de utilizar e monetizar o Rumble em qualquer lugar do mundo. Como nas decisões anteriores, a plataforma teve apenas duas horas para cumprir a exigência.
Allan dos Santos enfrenta acusações criminais no Brasil relacionadas a suposta disseminação de desinformação sobre o STF e as eleições de 2022. No entanto, em abril do ano passado, o governo Joe Biden rejeitou o pedido de extradição do Brasil, argumentando que tais atos não são considerados crimes nos EUA, pois estão protegidos pelo direito à liberdade de expressão.
Tratados de extradição geralmente impedem que um país extradite um estrangeiro se os atos em questão não forem crimes no país que recebe o pedido. O pedido de asilo político de Allan dos Santos nos EUA ainda está pendente, e ele reside legalmente no país.
O CEO do Rumble, Chris Pavlovski, afirmou que a rejeição americana ao pedido de extradição deveria ter encerrado as tentativas de Moraes de silenciar Allan dos Santos nos EUA. No entanto, disse ele, “Moraes agora está tentando contornar completamente o sistema legal americano, utilizando ordens sigilosas de censura para pressionar redes sociais americanas a banir o dissidente político em nível global”.
O advogado do Rumble, E. Martin De Luca, do escritório Boies Schiller, argumentou que, como residente legal dos EUA, Allan dos Santos tem sua liberdade de expressão protegida integralmente pela Primeira Emenda da Constituição americana. O objetivo da ação, disse ele, é “garantir que as empresas americanas permaneçam sob a jurisdição das leis dos EUA e que nenhum tribunal estrangeiro possa, unilateralmente, ditar quais discursos são permitidos em plataformas americanas sem autorização apropriada do governo dos Estados Unidos”.
As gigantes da tecnologia nos EUA vêm se mobilizando para que o governo Trump as auxilie contra regulações de moderação de conteúdo impostas por governos estrangeiros, os quais consideram censura política. Em janeiro, o CEO da Meta, Mark Zuckerberg, anunciou o fim do programa de verificação de fatos do Facebook e pediu ao governo americano que protegesse as empresas de tecnologia contra governos estrangeiros que “estão atacando empresas americanas e pressionando por mais censura”. Questionado sobre o tema, Trump expressou apoio às mudanças.
Os advogados da empresa de mídia de Trump argumentam que qualquer tentativa de restringir as operações do Rumble no Brasil também prejudicaria a Trump Media and Technology Group Corp. (Trump Media), dona da plataforma Truth Social. O Rumble fornece os serviços de nuvem que sustentam a Truth Social, e qualquer bloqueio imposto à plataforma poderia desestabilizar a empresa de Trump, dando-lhe base legal para contestar as decisões de Moraes.
As implicações políticas desse processo podem ser tão ou mais significativas que as jurídicas. Figuras importantes do novo governo Trump já demonstraram hostilidade em relação a Moraes e ao que consideram um regime de censura crescente no Brasil. O enquadramento das ordens de Moraes como ataques à soberania americana, às empresas americanas e à liberdade de expressão de residentes dos EUA tem o potencial de intensificar as tensões entre Moraes e seus novos adversários influentes nos EUA.
Entre esses adversários está Elon Musk, figura de grande influência no novo governo americano. Durante o embate entre X e o STF, Musk atacou Moraes duramente, chamando-o de “um ditador tirânico disfarçado de juiz” e um “criminoso”. Em agosto, Musk publicou uma imagem gerada por inteligência artificial mostrando Moraes atrás das grades e escreveu: “Um dia, @Alexandre, essa foto sua na prisão será real. Marque minhas palavras”.
A decisão da empresa de mídia de Trump de se juntar ao Rumble no processo contra Moraes indica claramente que a nova administração americana poderá comprar a briga contra as ordens do ministro. Até o momento, o governo Trump tem evitado medidas diretas contra o Brasil, como tarifas e sanções. No entanto, essa ação judicial pode acirrar os conflitos latentes entre os dois governos.
Além de buscar uma decisão que declare a ordem de Moraes ilegal sob a legislação americana, o processo também pede que Apple e Google sejam impedidos de seguir qualquer determinação do ministro de remover os aplicativos do Truth Social e do Rumble de suas lojas virtuais. Além disso, solicita um julgamento com júri para avaliar a validade das alegações feitas pela empresa contra Moraes.