
VICTORIA DAMASCENO E RAÍSSA BASÍLIO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
Foram cerca de 150 anos até que a Alemanha tivesse uma mulher à frente do consulado geral do país em São Paulo, o principal no Brasil. Martina Hackelberg, 49, assumiu o cargo em 2024 após uma trajetória de mais de duas décadas na diplomacia alemã, atuando em diferentes continentes.
Sua chegada ocorreu em um momento em que a Alemanha busca aumentar a presença feminina em cargos de liderança nos ministérios e nas representações diplomáticas no exterior. A meta é de que, até 2030, metade desses cargos seja ocupada por mulheres. Atualmente, apenas 27% das posições são ocupadas por elas, e Hackelberg é uma delas.
Ela esperava que a liderança de uma mulher no consulado em São Paulo causasse surpresa, o que não ocorreu. “Nunca senti prejuízo, ou que haveria um tratamento diferente se eu fosse um homem”. No entanto, ela diz ter enfrentado machismo em sua trajetória.
“Quando entrei na carreira, há 20 anos, não havia debates como o MeToo. Havia comentários e observações inadequadas. Hoje, há uma sensibilidade maior, uma consciência crescente sobre a linha entre elogio e observação.”
As percepções de Hackelberg se refletem na experiência de outras consulesas-gerais, que, para alcançar cargos de destaque na diplomacia, enfrentaram machismo, estereótipos e os desafios de equilibrar vida profissional, maternidade e compromissos familiares. Elas, que são minoria na diplomacia pelo mundo, querem servir de exemplo para outras que sonham em seguir carreira nas relações exteriores.
Assim como a alemã, a francesa Alexandra Milas, 41, foi também pioneira. É a primeira mulher a assumir o posto de cônsul-geral da França em São Paulo em 130 anos, mas, no seu caso, as pessoas estranham sua chegada em compromissos e reuniões.
“Tem um pouco disso. Sou a primeira mulher, então é uma honra e também uma responsabilidade servir de exemplo para outras mulheres”, diz. Com carreira diplomática clássica, passou por postos na China, na França e no Brasil antes de assumir o cargo em São Paulo. “Precisamos de mais mulheres em posições de poder para que isso não seja mais uma surpresa”, diz, ao afirmar que é preciso combater a autocensura e os estereótipos.
A Bélgica também tem como objetivo aumentar o número de mulheres nomeadas em cargos diplomáticos. Segundo Valentine Mangez, 44, a primeira consulesa-geral belga em São Paulo, elas ainda são sub-representadas na carreira em seu país.
Ao comparar a Bélgica com outros lugares, Mangez observa que há muitas mulheres em posições de destaque em diferentes setores no Brasil, mas acredita que há espaço para melhorias. “No mundo econômico há muitas mulheres, mas no político ainda estamos longe da igualdade”, afirma.
Estudos apontam que mulheres seguem sub-representadas em cargos diplomáticos pelo mundo. Até 2023, apenas 20% dos cargos de embaixadores eram ocupados por mulheres, segundo dados de pesquisa realizada pela Anwar Gargash Diplomatic Academy.
No âmbito da ONU os números são semelhantes. Informações do Índice de Mulheres na Diplomacia mostra que 21% dos embaixadores e representantes permanentes na organização a nível mundial são mulheres.
Em relação à chefes de ministérios, dados deste ano da União Europeia mostram que dentre os 27 países-membros, apenas seis têm mulheres no cargo de ministra de Relações Exteriores.
Wieneke Vullings, 47, foi a segunda a se tornar consulesa-geral dos Países Baixos em São Paulo. Em sua trajetória na diplomacia, diz não ter vivenciado situações de machismo de forma explícita, embora perceba que há aqueles que esperam um homem em sua posição. “Eu tive sorte, é algo que existe e está presente, mas pessoalmente nunca vivenciei, então me sinto sortuda por isso”, diz.
O país é um dos líderes no Índice de Igualdade de Gênero da União Europeia, ocupando a terceira posição. Segundo o documento, o conceito de poder, que indica a equidade em espaços de decisão políticos, econômicos e sociais, está entre as mais significativas melhorias dos últimos anos.
Trabalhando em outros países pelo mundo, porém, Vullings conta que precisa de mais esforço para ser levada a sério. “Você tem que ganhar o respeito das pessoas. Não só por causa do seu cargo, o que eu não acho que seja algo ruim, porque eu também tenho que mostrar o meu valor”, diz ela.
No caso de Audra Ciapiene, a carreira diplomática veio por um convite. Quando começou no cargo, a Lituânia havia acabado de conquistar a independência da União Soviética, e um amigo que trabalhava no serviço público do país a convidou para ser a secretária pessoal da primeira-ministra da época, Gediminas Vagnorius.
Pouco tempo depois, começou sua carreira na diplomacia, como mais um voto de confiança do governo da Lituânia. Nos postos pelos quais passou, diz nunca ter notado comentários ou posturas sexistas. Viveu o que chama de uma quase experiência. “Quando eu pedi para ser enviada para a Palestina eu recebi a resposta de que nosso ministério decidiu não enviar mulheres, só homens”, conta.
A consulesa-geral do Canadá em São Paulo, Caroline Charette, 54, estava grávida quando assumiu seu primeiro trabalho no serviço diplomático. O primeiro dia foi marcado pela notícia e pela decisão de que tiraria licença de seis meses.
Em meados dos anos 1990, essa notícia foi considerada uma situação complicada, conta, já que a carreira envolve idas e vindas do exterior. Charette conta que precisou lutar por seu posto, na época, em Tóquio.
Ela foi para o Japão com duas filhas, uma de três meses e outra de dois anos. Lá, diz que precisou enfrentar o machismo da carreira diplomática. “Eu era sempre a única mulher na sala e era a estrangeira.
E era jovem. Então, tinham esses três fatores para eu superar e estabelecer minha credibilidade.”
Já Zsuzsanna László, 54, consulesa-geral da Hungria em São Paulo, afirma que nunca enfrentou barreiras por ser mulher, e destaca ainda que a maternidade é incentivada no país, que passa por envelhecimento da população.
Ela destaca políticas húngaras que incentivam a maternidade, como a isenção de impostos para mulheres com dois ou mais filhos. “O objetivo é evitar que preocupações financeiras sejam uma barreira para quem deseja ter mais filhos”, diz ela.