No evento em que conheci Patricia de Lille, sabendo dessa história, pedi para bater um papo com ela, e ela aceitou de imediato. Fomos para uma área reservada do hotel, nos sentamos numa mesa e eu comecei a fazer perguntas.
De Lille contou de como Mandela, que era quase 40 anos mais velho do que ela, a tratava como sua protegida. De como ele às vezes passava em sua casa para irem juntos às sessões, de como ele lia para ela em voz alta o jornal e comentava algumas notícias, de como ele dizia a ela que sem unir o país nenhum tipo de futuro seria possível.
O Apartheid, o regime que separou brancos e negros e que autorizava que a polícia matasse, prendesse e torturasse negros à luz do dia (parece familiar?), ainda estava conceitualmente bastante vivo quando Mandela foi eleito em 1994. Sua missão seria a de criar um novo país.
A comissão da verdade e reconciliação sul-africana foi uma das mais profundas do mundo e colocou frente à frente algozes e vítimas – ou famílias das vítimas. De Lille lembra de entrar em salas e mais salas, frente à frente com brancos, e de pensar que não conseguiria passar por aquilo. As sessões foram filmadas e podem ser vistas no museu do Apartheid, em Joanesburgo. Fui lá pela primeira vez ao lado de Djamila Ribeiro, Camila Pitanga e Nataly Neri, em 2018, e poucas coisas na vida foram tão intensas quanto essa visita.
De Lille lembra de um dia específico de seu trabalho na comissão da verdade e reconciliação.
Nesse dia, ela estava frente a frente com o algoz e, para não perder a cabeça, ficava pinçando seu próprio braço com a outra mão. Mandela, que ficava indo de sala em sala, foi avisado de que havia uma sala em que as coisas estavam muito tensas. Era a de de Lille. Ele foi até lá, perguntou o que estava acontecendo e pediu que ela saísse com ele por alguns minutos. De Lille saiu e disse que não ia ser capaz de lidar com aquele diálogo sem cometer algum tipo de violência. Mostrou e ele seu braço ferido e disse que estava tentando se controlar. E então ela conta que lembra exatamente do que Mandela disse em seguida.