Volta ao Santos é gesto grandioso e chocante de um controverso Neymar



Procuro comparação possível e só encontro uma: Maradona. Seja ao deixar o Sevilla pelo Newell’s Old Boys, em 1993, ou um quarto de século depois, já destroçado pelo vício e com os joelhos em ruínas, quando topou treinar o obscuro Dorados de Sinaloa, na segunda divisão mexicana. A história é contada na série Maradona no México, da Netflix.

Como “o mais humano dos deuses”, conforme Eduardo Galeano, Neymar tem feito o possível para ser odiado. A vida ostentatória, a fama de cai-cai, os posicionamentos políticos e a pecha de mercenário são farta tentação aos rótulos: bolsonarista, mimado, machista, alienado. Explicam uma parte, escondem outra, desconsideram a complexidade.

Entre tantas maravilhas de sua trajetória alvinegra, me fixei em uma lembrança coadjuvante: o choro, ajoelhado no centro do gramado em Mogi Mirim, após a vitória nos pênaltis contra o time da casa. Era a semifinal do Paulista de 2013, sua passagem para a quinta final estadual consecutiva (seis meses depois, estaria no Camp Nou decidindo com um gol e uma assistência seu primeiro El Clásico contra o Real Madrid).

Nenhum ineditismo, Mogi Mirim, apenas mais uma semifinal de um desimportante Paulistão. No entanto, houve emoção, a mesma de sua reapresentação 12 anos depois. Não há por que suspeitar da sinceridade do sentimento. Neymar gosta do Santos.

Galeano escreve que a história do futebol é uma triste viagem do prazer ao dever. A transformação do esporte em indústria destronou a beleza que nasce da alegria de chutar uma bola. O moleque de vila (Projota), que começa pelo prazer de jogar, agora tem dever de trabalhar e tem a obrigação de ganhar ou ganhar (Galeano). Quanto mais sobe, mais preso está — pelos contratos, empresários, dores e contusões.

“Dei um abraço no meu pai, um abraço de que ‘a gente conseguiu'”. É espantoso que o mesmo Santos, tão desprezado por obtusos pangarés nos últimos anos, desperte o desejo de um craque enorme. Quero acreditar nesse lado passional à Maradona e numa escolha ilógica pela régua da competição e do capital, mas perfeitamente compreensível pelo prisma da emoção e do prazer.



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