Em dezembro, o Congresso aprovou lei que permite ao governo estabelecer tributação mínima, efetiva, de 15% sobre multinacionais instaladas no Brasil, brasileiras inclusive. Duas medidas anunciadas por Donald Trump ameaçam países que aprovaram tal lei ou normas que “discriminem” empresas dos Estados Unidos ou ameacem a “soberania” e a “competitividade” americanas. Promete retaliações.
Além de guerra comercial, Trump quer promover guerra tributária, se por mais não fosse porque há pressão dos parlamentares republicanos e do conselhão da oligarquia empresarial que aderiu a seu governo, como as “big techs”.
A lei brasileira deriva de um acordo internacional que tem por objetivo evitar que multinacionais grandes escapem de impostos fugindo para países que são paraísos ou facilitadores fiscais. O acordo foi na prática mediada pela OCDE, o clube de convergência regulatória e econômica dos países mais ricos do mundo, no qual o Brasil quer entrar.
Em suma, trata-se de mais um dos acordos ainda incipientes de evitar guerra e evasão fiscal mundiais e mumunhas dos muito ricos que não querem pagar imposto.
A lei foi proposta pelo governo e sancionada por Luiz Inácio Lula da Silva no final de 2024. Adapta leis tributárias brasileiras às chamadas regras “GloBE” (Regras Globais Contra a Erosão da Base Tributária), acordadas em 2021, que vão sendo aprovadas por muitos países.
Em outra linha desses acordos, pretende-se arrumar um jeito de tributar “serviços digitais”, principalmente as “big techs”, um troço complicado de fazer, ainda mais se não houver cooperação internacional (como também é difícil tributar os donos do dinheiro grosso do mundo).
A ameaça de Trump é grave e, por ora, mais concreta do que as promessas de elevar impostos de importação. Aparece em dois memorandos: 1) sobre “O Acordo Global de Impostos da OCDE”; 2) sobre o “America First Trade Policy”, “Política Comercial da América em Primeiro Lugar”.
O governo de Joe Biden aceitou o “acordo da OCDE”. Trump decretou que os EUA estão fora. Em 60 dias, autoridades econômicas devem apresentar um relatório sobre violações de acordos tributários com os EUA e sobre leis que afetem empresas americanas de modo “desproporcional”, além de medidas de “proteção” e outras respostas.
O memorando “América em Primeiro Lugar” tem uma lista longa de providências a serem tomadas a respeito de relações econômicas externas. Isto é, motivos do déficit comercial e suas ameaças à segurança e à economia dos EUA, a criação de uma “receita federal” de impostos de importação, práticas comerciais injustas, revisão e fiscalização de acordos comerciais (inclusive com Canadá e México e na OMC), manipulação de taxas de câmbio, “antidumping”, contrabando etc. São onze itens detalhados.
O nono deles (seção 2, item “i”) implica que os EUA poderão cobrar impostos adicionais de cidadãos e empresas estrangeiros, oriundos de países que tributem negócios americanos de modo “extraterritorial” ou “discriminatório”.
Em resumo, Trump ameaça atacar o sistema tributário de outros países —o direito de cobrar impostos sobre empresas que atuam no próprio território deles. Mais do que isso, pretende dar cabo até do lentíssimo avanço dos acordos internacionais de tributação menos injusta e mais uniforme, em termos econômicos e, talvez, sociais.