Exatos 10 anos atrás, celebrava-se o primeiro Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência.
A data foi criada pela ONU no final de 2015, alinhada com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030. Na época, relatório da Unesco apontava que as mulheres representavam menos de um terço da força investigativa global.
Uma década depois, como em 80943875 outras áreas de la vie, nós avançamos, mas seguimos na labuta de abrir espaço: segundo a UNESCO, somos, atualmente, exatamente um terço da força investigativa-científica do planeta. Em áreas técnicas e tecnológicas, cruciais em todos os cenários futuros, o gap é ainda maior.
Se a isso somarmos outras comparações de gênero no contexto de longevidade profissional e a ocupação de posições de destaque, por exemplo, ainda tropeçamos em um abismo. Envelhecer e manter-se no mercado de trabalho ainda é, em 2025, um dos maiores desafios da mulher, do Oiapoque ao Chuí.
Ainda assim, em termos comparativos, os avanços nas últimas duas décadas são estatisticamente importantes. E o Brasil, junto com outros países da América Latina, ocupa lugar de destaque no cenário global.
Segundo relatório publicado pela Bori-Elsevier em 2023, somos atualmente a terceira nação do mundo com maior participação relativa feminina na ciência (49%), atrás apenas de Argentina e Portugal, ambos com 52%. Em seguida, no ranking, vêm Espanha (47%) e Itália (46%).
Se tomarmos como referência dados do projeto “Diversidade na Ciência Brasileira”, a presença das mulheres cientistas no país já se equipara ou supera a masculina desde 2004.
Segundo o levantamento Bori-Elsevier, em outros países da União Europeia, além de EUA, Canadá e Reino Unido, a presença feminina na ciência oscila atualmente entre 41% e 44%, em média. Em todos os países, houve crescimento.
As brasileiras também estão conquistando espaço em áreas tradicionalmente masculinas como as supracitadas carreiras tecnológicas: nas últimas duas décadas, segundo o estudo, sua presença saltou de 35% em 2002 para 45% em 2022.
No quesito longevidade na carreira, ainda estamos aquém dos homens cientistas no Brasil à medida que avança a idade, mas observou-se um avanço consistente nas últimas duas décadas.
Se adotamos como referência a participação de mulheres como autoras ou coautoras em publicações científicas, por exemplo, passamos de assinar 41% dos papers nos primeiros anos de carreira acadêmica (dados extraídos entre 1998 e 2002) a 51% entre 2018 e 2022, último período analisado pelo estudo.
A partir dos 21 anos de carreira — etapa, por sinal, em que muitas mulheres estão adentrando o climatério –, a participação passou de 21% entre 1998 e 2002 a 36%, isto é, um aumento relativo de 71%. Falta, mas estamos a caminho.
Falando sobre áreas de conhecimento, segundo o relatório Bori-Elsevier, ainda dominamos em carreiras como Enfermagem (80%), Farmacologia (62%), Psicologia (61%) e Imunologia e Microbiologia (62%), embora os homens venham ocupando um discreto espaço nos últimos anos.
Ao mesmo tempo, entre 2008 e 2022 observou-se um avanço percentual feminino expressivo em áreas como Economia e Finanças (+ 9%) e Negócios, Administração e Contabilidade (+8%).
Patentes: universo predominantemente masculino
Mas é no registro de patentes internacionais que as mulheres ainda ficam gritantemente atrás dos homens: segundo estudo publicado em 2023 pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (Wipo, da sigla em inglês), agência vinculada à ONU, globalmente correspondemos apenas a 13% de todos os inventores, sendo que a maioria das mulheres integra equipes predominantemente masculinas ou trabalha sozinha. Apenas 4% das patentes internacionais são registradas exclusivamente por mulheres, contra 33% se incluirmos as equipes mistas.
Nesse ritmo, estima o estudo, alcançaremos a paridade de gênero no registro de patentes lá por 2061.
Aqui, o Brasil aparece em destaque novamente: os países com mais patentes femininas (incluindo equipes mistas) são, em primeiro lugar, a Espanha, com 26%, seguidos de Colômbia e Brasil, com 22%.
Sobre as origens desse contraste abissal, a Wipo dá uma pincelada um tanto breve em algumas hipóteses.
Entre elas, as disparidades socioeconômicas, culturais e acadêmicas de base (questões relacionadas à maternidade e ao cuidado da família, além da disparidade de oportunidades no mercado de trabalho, não são explicitamente citadas no estudo, mas sem dúvida entram nesse bolo, claro); e a possibilidade de que “mulheres possam ser menos atraídas (sic) por campos mais dominados pelas matemáticas, as quais produzem a maioria das invenções”.
Ainda assim, aponta o estudo, “estatísticas mostram que as mulheres ganham mais títulos de bacharel e mestrado em Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática (STEM, em inglês) do que os homens”.
O desempenho da América Latina nos rankings de mulheres cientistas é notável, mas é preciso olhar mais fundo para entender que ainda precisamos de muito mais.
A argentina Gloria Bonder, diretora da Cátedra Regional Unesco Mulher, Ciência e Tecnologia na América Latina, afirmou em 2021 que há mais mulheres latinas graduadas que homens, mas estas representam ainda somente 18% dos reitores e 27% dos executivos ligados a diversas áreas da ciência.
“Essa é uma questão importante porque, em geral, as empresas têm salários mais altos e oferecem outras possibilidades de desenvolvimento profissional”, disse.
E uma última [estocada de] pincelada, mas nem de longe a última: em 2024,todos os 7 laureados do Nobel científico foram homens. Desde que o prêmio foi criado, em 1901, somente 26 mulheres chegaram lá, num mar de 653 homenageados — menos de 4% do total.
Isso sem falar nas Matemáticas: a medalha Fields, espécie de Nobel da área para cientistas de até 40 anos, foi concedida a uma única mulher (a iraniana Maryam Mirzakhani, em 2014) ao longo de seus quase 60 anos de história. Viva Marie Curie — mas que venham muitas mais.
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