Causa espécie o decreto do presidente Javier Milei que determina a retirada da Argentina da Organização Mundial da Saúde (OMS). As justificativas geram ainda maior preocupação, pois sinalizam que não se trataria de caso isolado, mas de um gradual descolamento do país de sua tradição multilateralista.
Com tal movimento, Buenos Aires replica ações tomadas por Donald Trump em seu primeiro mês no comando dos Estados Unidos. Seguindo os passos do americano, Milei considera ainda a retirada da Argentina do Acordo de Paris, que em 2015 estabeleceu metas para combater os efeitos da mudança climática.
A saída da OMS impõe desafios domésticos e nas fronteiras. Desvencilhar-se dos mecanismos de cooperação, de transferência de tecnologia e de monitoramento de doenças do órgão implicará custos para a saúde pública e os centros de pesquisa —além dos riscos de disseminação de enfermidades para países vizinhos.
A decisão vertical de Milei, a exemplo da tomada por Trump, pode enfrentar a resistência do Congresso, que já se move para repudiá-la, e não impede sua contestação pela Suprema Corte. Pode converter-se em derrota para um presidente com elevada aprovação popular devido a seus resultados na economia.
O mesmo risco se impõe em caso de abandono do Acordo de Paris, acusado de refletir o “marxismo cultural” por Milei, que nega o arsenal de evidências científicas sobre a responsabilidade humana pelo aquecimento global.
Interesses econômicos da Argentina no acordo Mercosul-União Europeia e no acesso pleno à OCDE recomendam, porém, comedimento da Casa Rosada.
Em recente declaração ao jornal francês Le Point, o presidente deixou claro que não pretende parar por aí. A retirada do país da Agenda 2030 das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável está no seu radar. “Muitos organismos internacionais devem ser eliminados”, defendeu.
,Em paralelo, a integração regional também vê-se sob escrutínio. Seu governo aposta na permissão dos membros do Mercosul para a Argentina celebrar um acordo de comercial bilateral com os EUA. Nesse ponto, deve-se destacar o argentino destoa do americano, que tem ameaçado o comércio global com tarifas protecionistas.
Milei, que com medidas duríssimas conseguiu deixar para trás níveis explosivos de déficit público e inflação herdados do peronismo, ainda tem pela frente desafios e obstáculos que nada têm a ver com o poderio de Trump. Ele não deveria procurar mais problemas para sua gestão.