Sem oferecer alternativas, o Policiamento Rodoviário do estado de São Paulo passou a proibir o trânsito de bicicletas nas rodovias que levam ao litoral norte.
A proibição ficou conhecida depois que dois grupos de ciclistas filmaram blitze montadas na rodovia Mogi-Bertioga. Os vídeos ganharam a atenção das redes sociais no final do ano passado e agora fazem parte da discussão sobre a restrição de bicicletas em algumas rodovias paulistas no âmbito do CCP (Ciclo Comitê Paulista) —fórum usado pelo governo estadual para auxiliar ações relacionadas à ciclomobilidade.
Os dois vídeos mostram situações semelhantes, onde uma equipe da Polícia Militar interrompe a viagem de ciclistas que pretendiam descer a Serra do Mar.
“Aonde os senhores pensam que vão?”, diz o policial a um grupo de cicloturistas. “Bertioga [litoral norte paulista]”, respondem os viajantes. A reação é enfática: “De bicicleta não. Podem dar meia-volta. É proibido o tráfego de bicicletas aqui.”
No outro vídeo, o policial interrompe cinco ciclistas que treinavam em fila indiana na borda da pista. “Tem três placas lá atrás proibindo o trânsito de bicicletas. Pode voltar, amigão”, diz o agente.
A situação entrou na pauta do governo paulista na última reunião do CCP, realizada na sexta-feira (17), e deve voltar à discussão no próximo encontro, marcado para 14 de fevereiro. Ainda não está claro, contudo, em quais rodovias o governo estuda regulamentar a proibição.
Segundo o advogado Anderson Gianetti, representante dos ciclistas no CCP, no caso da Mogi-Bertioga o governo alega estar embasado no artigo 195 do CTB (Código de Trânsito Brasileiro), que considera infração a desobediência às ordens de autoridades de trânsito.
“O policial rodoviário decidiu que bicicleta não pode trafegar. Se você desobedecer essa ordem, vai tomar uma multa”, comenta Gianetti. “Porém, a gente sabe que isso não foi regulamentado. Bicicleta sequer tem placa ou número de Renavam para ser multada. Isso nos parece um abuso de autoridade.”
Durante o debate no CCP, Gianetti lembrou os representantes do governo que há similaridade entre as rodovias que levam ao litoral com outras rodovias estaduais onde o trânsito de pedestres e ciclistas é permitido, citando as rotas turísticas “Caminho da Fé” e “Rota das Frutas“.
Essas rotas têm vários trechos sem acostamento e sem ciclovia, e estão, inclusive, em ações de marketing da Secretaria de Turismo e Viagens para atrair mais pedestres e ciclistas.
Com base nessa comparação, Gianetti questiona: “Qual o critério que a Polícia Rodoviária utiliza para proibir ciclistas nas rodovias Mogi-Bertioga e Tamoios?”
O advogado ainda lembra o artigo 58 do CTB, que garante a circulação de bicicletas “nos bordos da pista de rolamento” de rodovias onde não há acostamento ou ciclovia.
“A lei do Plano Cicloviário estabelece que a proibição da circulação de bicicletas depende de um decreto do governador, que deve estar embasado em relatórios e estatísticas. Mas não temos elementos que possibilitem afirmar que isso tenha sido observado pela Polícia Rodoviária”, diz Gianetti.
Questionada pelo Ciclocosmo, a Secretaria de Segurança Pública paulista diz em nota que “a Polícia Militar, por meio do Policiamento Rodoviário, orienta os ciclistas sobre a circulação em rodovias de acordo com a legislação vigente no Artigo 58 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), podendo haver exceções, como no caso da Rodovia Dom Paulo Rolim Loureiro (SP-098) [Mogi-Bertioga], que é um local de pista simples e não se enquadra nesta legislação, restando, portanto, o cumprimento do Artigo 247.”
Contudo, o artigo 247 não proíbe a circulação de bicicletas. Na verdade, o que ele faz é impor uma única condição: bicicletas e outros veículos de propulsão humana ou animal devem trafegar em fila única “sempre que não houver acostamento ou faixa a eles destinados.”
“Essa é exatamente a conduta que os ciclistas adotam em pistas sem acostamento, andam em fila única”, argumenta Gianetti. “E se andam em fila única, não há razão para aplicar a penalidade, tampouco impedir a circulação.”
A nota do governo paulista sugere que os ciclistas que pretendem trafegar pela Mogi-Bertioga busquem uma rota alternativa mais segura, sem explicar se ela existe ou onde fica.
Não existe.