Gente de verdade – 10/01/2025 – Txai Suruí



Antes da colonização da Amazônia, nossas aldeias se estendiam para além do que hoje é a cidade de Cuiabá até as margens do rio Machado. Foram muitos ciclos econômicos que nos expulsaram de nossos territórios, mataram e perseguiram, até uma grande epidemia de sarampo e outras doenças que nos dizimou de 5.000 a 250 pessoas, quando decidimos buscar assistência médica e permitir o contato com homens “brancos”.

No dia 7 de setembro de 1969 aconteceu o contato oficial dos paiter com a Funai. A Funai, quando fazia o contato, levava indígenas de outra etnia, na tentativa de falarem a mesma língua. No nosso estavam indígenas do povo zoró, antigos inimigos do nosso povo, que nos chamaram de “yori”, que significa inimigos. Os funcionários da Funai entenderam “suruí” e foi assim que nos chamaram. Nós nos autodenominamos como paiter, que significa “gente de verdade”, em nossa língua tupi-mondé.

Meu tio-avô Itabira conta histórias da estrada que para ele eram como grandes cobras que vinham devorando a floresta e tudo pela frente e por isso tantos povos que também viviam aqui desapareceram. Com a estrada e os homens brancos vieram também os tratores, os caminhões, doenças, missionários com a “salvação” e a morte.

Com a abertura da BR-364, o nosso território é cortado ao meio, bem em cima de aldeias onde hoje é o bairro Riozinho de Cacoal, antigo posto indígena Riozinho. Resistimos às invasões, às doenças e à omissão do governo e obtivemos a homologação do nosso território em 1983.

Nessa época vieram também as máquinas fotográficas. Um dos primeiros a passar mais tempo documentando nossos corpos e vidas foi um estrangeiro chamado Jesco von Puttkamer. Hoje em dia, poucos de nós conhecemos ou já vimos mesmo que pequena parte do seu acervo. Porém, além dele, os missionários também trouxeram câmeras —e uma delas acabou ficando de presente na aldeia Lapetanha. Foi assim que pela primeira vez os paiter suruí começaram a fotografar e a guardar as imagens registradas.

Este arquivo fotográfico, disperso em acervos familiares nas aldeias, corria o risco de desaparecer em razão da conservação, até ser reunido e digitalizado pela primeira vez pelo Coletivo Lakapoy, coletivo audiovisual do povo paiter suruí. Este acervo feito pelo coletivo e agora faz parte da exposição “Gente de Verdade” que acontecerá no Instituto Moreira Salles (IMS) em julho.

Hoje, as câmeras são como flechas que usamos para seguir lutando, contracolonizando e recontando nossa própria história. Seguimos lutando por nosso território e para proteger nosso povo das invasões, da mineração ilegal, do extrativismo predatório e as queimadas ilegais.

A exposição também incluirá fotografias recentes feitas pelos paiter suruí com câmeras descartáveis e retratos tirados por Ubiratan Suruí, o primeiro fotógrafo profissional do povo, além de entrevistas e depoimentos que narram nossa história.

A exposição celebra a relação do povo paiter suruí com a imagem. Vencedor da Bolsa ZUM/IMS de 2023, o projeto “Gente de Verdade” também inclui a construção de um site, que disponibilizará o acervo e a pesquisa para o público.


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