JULIA CHAIB
WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS)
Joseph R. Biden Jr., 82, deixará a Casa Branca na segunda-feira (20) após acumular uma série de percalços no final de seu mandato como presidente dos Estados Unidos, para o qual foi eleito em 2020.
Biden termina a Presidência com aprovação de apenas 36% dos americanos, a menor de sua gestão, segundo pesquisa da rede CNN. Pelo menos em um primeiro momento, avaliam cientistas políticos, ele deverá ser lembrado por seu papel na derrota dos democratas no pleito do ano passado. Também ficará marcado por ter concedido um perdão absoluto ao filho Hunter em casos na Justiça depois de dizer que não o faria.
Ex-vice-presidente nas gestões de Barack Obama (2009 a 2017) e ex-senador, Biden acumula 50 anos de trajetória política. Ele entrou na corrida presidencial há quatro anos apontado como talvez o único que pudesse derrotar o republicano Donald Trump, o que de fato aconteceu.
Ao assumir o cargo, em 2021, pegou um país assolado pela pandemia da Covid-19 e em crise econômica. Os efeitos da doença levaram os EUA a atingirem uma inflação de 9,1%, a mais alta em 40 anos. Quatro anos depois, ele se despede da cadeira mais poderosa do mundo com uma inflação de 2,9% e situação próxima do pleno emprego.
A recuperação da reta final, porém, não foi suficiente para mascarar o sentimento provocado pela alta dos preços entre os americanos, um fator que contribuiu de forma decisiva para o retorno de Trump ao poder.
Para cientistas políticos, a lembrança que ficará da gestão democrata será negativa. A ele será atribuída a culpa pela derrota eleitoral. Biden desistiu da candidatura à Presidência faltando só três meses para a eleição.
Após um desempenho desastroso num debate com o republicano, o presidente teve sua cognição colocada em xeque. Ao sair da disputa, respaldou o nome de sua vice, Kamala Harris.
Para os críticos, Biden demorou muito para deixar a corrida. “Ele dificultou para os democratas vencerem a eleição. O resultado será colocado na conta de Biden”, avalia Robert Shapiro, professor de Ciência Política da Universidade Columbia.
Shapiro afirma ainda que, por mais que houvesse uma chance de Kamala ter tido um desempenho melhor caso tivesse começado a campanha mais cedo, um dos grandes problemas para ela foi não ter conseguido se dissociar do governo Biden.
“Eleitores ficaram com a percepção de que o governo teve um desempenho ruim, o que realmente dificultou para qualquer democrata vencer.”
Em dezembro, ainda criticado por correligionários num momento de reflexão do partido, Biden tomou outra atitude polêmica: deu um perdão irrestrito ao seu filho Hunter, condenado por mentir sobre o fato de que usava drogas ao comprar uma arma, em outubro de 2018, e por possuí-la de forma ilegal por 11 dias. A medida foi anunciada após ele afirmar mais de uma vez que respeitaria o resultado do julgamento.
“Hunter Biden é culpado por envenenar a Presidência de Biden. O presidente cometeu um erro ao prometer não perdoá-lo e, depois, perdoá-lo”, avalia o professor de Columbia.
Outros pontos negativos da gestão Biden lembrados por analistas são a operação tumultuada para a retirada de tropas americanas do Afeganistão e os números recordes da entrada de migrantes em situação irregular pela fronteira sul dos EUA.
O grupo fundamentalista Talibã tomou o controle do Afeganistão em agosto de 2021, logo após Biden anunciar a retirada das tropas do país. O aeroporto de Cabul foi palco de cenas surreais de desespero dos moradores que buscaram fugir da capital.
Na mais chocante delas, ao menos duas pessoas morreram depois de ficarem alojadas junto ao trem de pouso de um gigantesco cargueiro militar americano C-17 em plena decolagem.
A Casa Branca defende a ordem para a retirada das forças e diz que Biden herdou do governo anterior uma operação caótica e esgotada no Afeganistão, o que teria prejudicado todo o restante da ação
“Houve muitas coisas boas que a administração fez, mas as pessoas são mais propensas a punir políticos por coisas ruins do que recompensá-los por coisas boas. E isso faz parte do legado também”, diz Shapiro.
O professor menciona a lei da redução de inflação, aprovada por Biden, que incluiu investimentos em energia verde e foi decisiva para conseguir controlar a alta dos preços no país. Ele avalia que coube ao democrata possibilitar que os EUA tivessem o maior crescimento entre os países desenvolvidos no período pós-pandemia. E emenda que o presidente foi responsável por retomar a indústria de manufatura no país. Trump, assim, iniciará sua administração em uma situação mais favorável, afirma.
“Em termos de suas realizações, ele não foi recompensado por ter conseguido permitir que a economia americana, apesar da alta inflação, realmente tivesse melhor desempenho do que a maioria das economias do mundo desenvolvido”, diz.
Pesquisa do instituto Gallup mostra que a maioria dos americanos avalia que os EUA perderam espaço em seis áreas importantes, incluindo a posição e influência do país no mundo. A maior parte acredita também que o país ficou estagnado no que diz respeito à crise climáticas e situação socioeconômica da população negra.
Ainda assim, Aaron Kall, diretor de debate da Universidade de Michigan, acredita que, no longo prazo, a percepção do legado de Biden pode mudar.
“Biden, obviamente, tem um legado político muito longo. E durante um período muito único e desafiador na história, quando o país enfrentava a Covid, ele fez uma boa campanha e obteve mais votos do que qualquer um já tinha conseguido”, afirma.
Ele menciona ainda o fato de que Biden conseguiu, nos primeiros anos de sua gestão, aprovar o maior número de itens na agenda doméstica dos EUA desde Franklin Roosevelt, nas décadas de 1930 e 1940.
“Ele teve conquistas domésticas bastante sólidas, inclusive nas áreas de infraestrutura e relacionadas aos gastos com a Covid”, diz.
Os analistas fazem um paralelo com a carreira de Jimmy Carter, que saiu criticado da Presidência, mas depois reverteu a má percepção de seu legado.
A gestão de Carter, de 1977 a 1981, não foi exatamente o que lhe rendeu apreço e reconhecimento públicos. Após um período de retiro ao término de seu mandato, o ex-presidente, que morreu no mês passado, teve êxito em inúmeras negociações de paz e garantia de direitos humanos pelo mundo.
A diferença, apontam, é que Carter era mais novo e deixou a Casa Branca com 56 anos.