Desistir é mais difícil quando você está comprometido com o outro. Ao mesmo tempo, aderir ao exercício físico fica mais fácil em um ambiente acolhedor. É por isso que modalidades coletivas podem ser ótimas opções para quem tem dificuldade em criar o hábito de se exercitar.
Escolher fazer atividade física no tempo de lazer tem um custo, explica o psicólogo Saulo Velasco, diretor de aprendizagem da The School of Life. Ao reservar um tempo para se exercitar, você abre mão de algo: seja de descanso, sono, interação com família ou com amigos, leitura ou outras atividades.
É preciso encontrar motivadores. E não adianta pensar no longo prazo —algo como “quero emagrecer para as férias de verão“—, os motivadores devem ser imediatos, capazes de fazer você sair da cama mais cedo ou deixar sua casa em um dia de chuva para se exercitar.
Em geral, as pessoas têm um estímulo inicial, chamado de motivação extrínseca, para iniciar uma atividade, como uma recomendação médica ou objetivo estético, diz Átila Alexandre Trapé, professor na Escola de Educação Física e Esporte de Ribeirão Preto (EEFE-RP) da USP (Universidade de São Paulo) e membro da Sbafs (Sociedade Brasileira de Atividade Física e Saúde).
Mas a continuidade da prática só vai acontecer se a pessoa desenvolver motivação intrínseca, que independe de estímulos externos. “Isso está muito relacionado com os vínculos estabelecidos, com a sensação de bem-estar e com o gosto pela prática”, explica Trapé.
O senso de comunidade é a base da metodologia do crossfit, por exemplo, e promove vínculos entre os praticantes. Os treinos são pensados coletivamente e os exercícios contam com adaptações para que pessoas de diferentes níveis consigam executá-los juntas.
É uma modalidade que acolhe as diferenças, explica Maria Clara Saueia, 39, educadora física e proprietária da Crossfit Saurus, que tem unidades nas zonas norte e leste de São Paulo.
“Quando você entra em um box de crossfit, não existe padrão. Eu tenho alunos com síndrome de Down, alunos que tiveram a perna amputada, alunos com 140 quilos e com 40 quilos, alunos de 20 e de 80 anos”, relata.
Há uma rede de incentivo que fortalece a prática esportiva. Se alguém fica 15 dias sem aparecer nos treinos, os outros notam a ausência, procuram saber se algo aconteceu e deixam claro que sentem falta daquela pessoa, diz Saueia.
“O que faz com que você tenha essa aderência ao treino e vá dia após dia, independentemente de como está a rotina, é encontrar ali sua válvula de escape”, explica a profissional. “Se o dia de trabalho foi ruim, o crossfit é o momento que vai te fazer bem. Ali, você pode ser quem você é.”
Sentir-se competente é essencial
Adaptar os exercícios para diferentes níveis é um ponto importante para garantir mais motivação, principalmente entre iniciantes. De acordo com Trapé, a competência é uma necessidade psicológica básica no processo, ou seja, o praticante precisa sentir que consegue fazer aquilo.
“Entrar numa prática em que a tarefa é tão desafiadora a ponto de a pessoa não conseguir participar vai gerar uma tendência de se desvincular”, explica o professor da EEFERP-USP.
Modalidades em grupo podem afastar essa sensação de incapacidade. Esse é um dos objetivos do Tamanca Futebol Clube, academia de futebol feminino em São Paulo, que oferece aulas de futsal e society.
“A essência do Tamanca é inclusão e respeito. É mais do que diversidade, porque incluir mulheres pretas, gordas, LGBTQIA+ é o mínimo que eu espero. É elogiar quando alguém acerta um passe, em vez de fazer caras e bocas quando erra”, explica Tamires Custódio, 34, fundadora do Grupo Tamanca Esportes e Entretenimento.
A academia de futebol surgiu porque Custódio sentia que os espaços existentes eram apenas para pessoas boas e competitivas no esporte. Ela queria um ambiente no qual mulheres de diferentes idades e níveis pudessem praticar um hobby, relembrar dos velhos tempos e se divertir.
Por isso, um dos pontos-chave para conquistar as alunas é o primeiro dia. “Temos um cuidado muito grande para que elas se sintam à vontade e percebam que todas ali buscam a mesma coisa”, diz a fundadora.
Essa estratégia tem respaldo científico. “Estudos mostram que as pessoas podem aderir uma prática completamente nova quando têm sensação de pertencimento nos primeiros meses”, diz Júlio Mello, doutor em ciências do movimento humano e membro da Sociedade Brasileira de Atividade Física e Saúde.
Ou seja, quando você se sente pertencente a um grupo e acolhido nele, a tendência é querer ficar.
É o que acontece também com os grupos de corrida de rua, que estão se multiplicando na capital paulista. Com a popularização da modalidade, cada vez mais pessoas buscam se conectar com outras por meio do esporte.
“Correr sozinho é chato, na verdade. Para quem nunca correu, é muito desafiador”, argumenta o publicitário Caio Bellentani, 29, fundador do Vem Com Nóis, coletivo que reúne semanalmente mais de cem pessoas em um percurso na avenida Paulista.
O encontro acontece toda quarta-feira à noite na praça Oswaldo Cruz, no Paraíso, na zona sul de São Paulo. A corrida tem início por volta das 21h, mas a integração começa cerca de uma hora antes: corredores iniciantes ocupam a praça, dançam juntos para aquecer e fazem novas amizades.
“Você acaba construindo um rolê, uma atividade social, em que as pessoas vão para encontrar com outras, para trocar ideia e depois, quem sabe, fazer um pós num bar, tomar uma cerveja, comer um lanche”, relata Bellentani.
Especialmente nos momentos iniciais de adesão à prática de atividade física, o grupo é importante. “Uma parte do prazer do exercício vem só com a experiência, com o tempo. Mas o prazer que vem do aspecto social é imediato e pode estar presente desde o começo”, diz Velasco.
O autoconhecimento é fundamental para identificar estratégias eficazes para implementar um novo hábito. “Muita gente acha que autocontrole é força de vontade. Mas é sobre controlar o que te controla”, explica o psicólogo.
“Ter autocontrole significa se organizar para cumprir o que se determinou a fazer. Às vezes, isso significa reconhecer que sozinho você não será capaz. E que contar com o coletivo pode ser um boa solução.”