Antes do primeiro choro, os lindos negros estão em desvantagens – 10/02/2025 – Michael França



Negros estão em desvantagem em quase todos os aspectos da vida em sociedade. Digo quase todos porque ganhamos na música, na dança, no futebol, na beleza, na inteligência e, sim… evidentemente, isso representa apenas uma brincadeira para iniciar a coluna de uma forma humorada, dando aquela sacudida nos leitores mais críticos.

Porém, convenhamos: durante anos sob a ditadura da beleza branca, o charme e a estética negra foram ignorados, desvalorizados e, muitas vezes, ridicularizados. Apenas recentemente, com a valorização dos cabelos crespos, da pele retinta e de nossas feições marcantes, começamos a ocupar um espaço considerável tanto nas passarelas quanto nos coraçõezinhos fora delas.

Mas esta coluna não é para dizer o quanto os negros e, especialmente, as mulheres negras são umas gatinhas. Ela é para chamar a atenção de que, apesar de todo tipo de desvantagem que esse grupo da população sofre, existe uma que ainda não é bem discutida pela sociedade. Nosso objetivo aqui será destacar que a condição desfavorável do negro não começa no mercado de trabalho. Não começa na escola. Ela começa muito antes. Começa ainda na barriga da mãe.

Estudos mostram que o estresse crônico derivado da discriminação e do ambiente socioeconômico tende a afetar negativamente a saúde da gestante e, por consequência, do bebê. Esse efeito negativo atravessa gerações, afetando não apenas as mães, mas também seus filhos e netos. Bebês negros têm um risco significativamente maior de nascerem prematuros ou com baixo peso, fatores que comprometem o desenvolvimento cognitivo e as oportunidades futuras.

Isso significa que o fardo das disparidades não emerge apenas quando a criança negra começa a sentir as baixas expectativas sociais incidindo sobre ela na escola ou se vê compelida a abandonar precocemente esse espaço, frequentemente hostil a ela, para lutar por um emprego. Esse peso já existe antes mesmo de seu primeiro suspiro de vida. Já existe no ventre de uma mãe que vive sob o desafio de ir contra o conjunto de desvantagens às quais ela está submetida.

E quando uma criança nasce com menores chances de crescer forte e saudável, sabemos o que acontece. Seu caminho se torna ainda mais íngreme. A ele é acrescentada mais uma camada de desvantagem, fazendo com que elas tenham pior desempenho escolar, menos oportunidades no mercado de trabalho e maiores dificuldades financeiras. E o ciclo se repete. E se repete. E se repete.

É uma espiral de desvantagens que se inicia na gestação, mas se aprofunda em cada etapa da vida. E, se olharmos recursivamente, perceberemos que tal ciclo vem se repetindo mesmo depois da Abolição da Escravidão. Hoje, nascemos de ventres livres, mas nossas possibilidades de contemplar uma real liberdade ainda estão muito distante.

A escravidão apenas cedeu lugar a um tipo diferente de servidão. O estigma e as restrições socioeconômicas assumiram o papel das novas correntes de aprisionamento. Nessas condições tão desfavoráveis para o desenvolvimento humano, resta à grande parte dos lindos negros permanecerem em suas posições de subordinação.

O texto é uma homenagem à música “Negro gato?”, composta Getúlio Côrtes e interpretada por Luiz Melodia.


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