Uma chapa de madeira impede a passagem de visitantes no comércio sem letreiro na fachada na rua da Consolação, zona central de São Paulo.
“Pode entrar. Eu só coloco isso para que não entrem e quebrem alguma coisa.”
Maurício Galletta, 50, passa pelos corredores estreitos apontando para objetos que são especiais em seu acervo. O berço feito de madeira, com rodas, de 1870. A bacia de metal para banho também do século 19. O orelhão vermelho. O capacete de mergulho.
Não parece, mas ele diz haver uma ordem em como os artigos estão dispostos. Alguns estão escondidos, atrás de outros.
“É uma tarefa diária catalogar. Eu sei mais o menos o que tem e o que não tem, mas já faço esse trabalho há mais de duas décadas”, afirma.
São 25 anos, para ser mais exato. Ele abriu em fevereiro de 2000 a Objetos de Cena e hoje a administra com a mulher Ângela. A loja tem, segundo seu dono, mais de 30 mil itens para venda ou aluguel. Os principais clientes são agências de publicidade, peças de teatro e produtoras de filmes.
Ele vende peças que tem em duplicidade. Se houver apenas uma, só aluga.
“Nossa loja está em muitas produções famosas”, diz.
Seu acervo pode ser visto na minissérie sobre Ayrton Senna, na cinebiografia de Hebe Camargo, nos longa-metragens Carandiru e em Nada a Perder, sobre a vida de Edir Macedo.
Colecionador de moedas na infância e terceira geração de comerciantes, Maurício se lembra das lojas de móveis antigos do avô e do pai. Ele também possui mobiliário, em dois galpões em São Paulo. Como são de épocas antigas, são alugados para produções publicitárias ou cinematográficas.
Parte do acervo está na página da Objetos de Cena nas redes sociais. A loja já é conhecida por aficionados, gente envolvida em produções de audiovisual e apaixonados por antiguidades. Mas ele diz que, apesar de não haver nada na entrada que chame a atenção para o seu ramo de atividade, recebe visitantes todos os dias.
“Sempre tem gente que entra aqui e fica fascinada. Explora os corredores e diz que a loja deveria ser considerada uma atração turística de São Paulo. Vêm várias pessoas de fora da cidade.”
Quando não está capital e viaja de férias com a mulher, o que eles sempre fazem é ir a comércios de antiguidades. Quem sabe não conseguem algo raro para o seu acervo?
O que não se deve perguntar é como ele chega ao valor de venda ou aluguel na loja. Como colocar preço em coisas não mensuráveis, como o valor sentimental de uma peça? Quanto vale o aluguel de um orelhão, por exemplo? Ou de um telefone de tambor colorido dos anos 1970?
No caso do aluguel, entram variáveis como a raridade do artigo, quantas peças serão locadas para o mesmo cliente e por quanto tempo.
Nada é objetivo, constata o próprio Galletta. Mas dá tão certo que suas portas estão abertas há 25 anos.
“O preço é algo muito relativo. Não dá para explicar. Não é algo que tem uma tabela, tentamos nos aproximar de um valor de prática de mercado.”
Ele continua comprando novos objetos, mesmo que seja mais seletivo. No passado, ao começar com 500 peças, era receptivo a qualquer proposta. Hoje, não. Até porque há a restrição do espaço físico.
“Também existe a dificuldade do preço. As pessoas [que vendem] colocam o valor lá em cima porque elas acham que o valor sentimental que aquela peça tem para elas é o valor real. Não é, mas ao mesmo tempo, não é algo que dê para mensurar realmente”, completa.
Pode ser raro, mas acontece de uma produtora ou agência querer um produto que a Objetos de Cena não tem no estoque. A saída é tentar encontrar ou, em um último caso, fabricá-lo. Maurício e Ângela pesquisam as características do que é procurado, como era na época, o material necessário e, se não for muito complicado, constroem.
Há pedidos que eles não conseguem atender. Como uma boneca inflável, por exemplo.
Quem quiser uma central telefônica do século passado, boneco de porcelana quase nu e com o dedo médio erguido ou televisores de tubo que funcionam e dezenas de relógios ou enfeites de parede, já sabe onde encontrar.
“Eu faço isso porque creio que meu papel é preservar um pouco da história de diferentes épocas e que elas possam ser contadas em cenários de filmes. Eu não sei se amanhã isso vai ter continuidade, mas faço votos que se perpetue”, finaliza Mauricio.
Os filhos Igor, 17, e Davi, 8, têm outros interesse. Mas quando estão vendo um filme ou série juntos, Maurício aponta para a tela.
“Aquilo é da nossa loja.”
Eles duvidam. Por via das dúvidas, esperam os créditos no final para conferir o agradecimento à Objetos de Cena.