Por trás dos sorrisos, o governo Lula segue na mão do Congresso – 03/02/2025 – Joel Pinheiro da Fonseca



Lula foi eleito graças a seu capital político pregresso e à rejeição de Bolsonaro. Ideologicamente falando, seu grupo político está à esquerda da média do eleitorado. E à esquerda, também, da média do Congresso.

A democracia brasileira é multipartidária, e nenhum partido tem maioria no Congresso sozinho. Sendo assim, o presidente, seja ele quem for, precisa selar alianças com diversos partidos. Sendo grande a distância ideológica entre governo e diversos desses partidos, formar a coalizão se torna ainda mais difícil, ou mais caro.

Tradicionalmente, o governo tinha cargos e verbas para oferecer aos partidos. Dar um ministério ou condicionar a liberação de emendas parlamentares ao apoio do parlamentar eram maneiras de garantir esse apoio. Esse jogo mudou em 2015 e 2019, quando, respectivamente, as emendas individuais e as das bancadas estaduais foram tornadas impositivas, isto é, o governo é obrigado a executá-las. Isso tirou do governo sua principal ferramenta de negociação, restando a ele apenas interferir na velocidade da execução.

Em 2024, o valor aprovado para as emendas parlamentares foi de cerca de R$ 53 bilhões. Desses, R$ 33 bilhões eram impositivos. Cada deputado teve direito a R$ 37,8 milhões para gastar, com poucas restrições. Cada senador, R$ 69,6 milhões. Restou ao governo negociar com a parte não-impositiva das emendas e com os ministérios. Mas como os deputados já têm, de largada, uma quantidade generosa de recursos em mãos, essa negociação também perdeu muito de seu valor. Ficou muito mais desafiador garantir a fidelidade da suposta “base aliada”.

Além disso, as redes sociais mudaram a forma do cidadão se relacionar com a política. Ele ficou muito mais próximo, recebe informações diariamente — verdadeiras, falsas ou distorcidas— e reage de acordo, especialmente com indignação. Para muitos deputados de direita fora do Nordeste, serem vistos como aliados do governo Lula pode comprometer seu futuro político, então essa adesão nunca poderá ser total, mesmo que seus partidos tenham ministérios. A negociação tende a se dar caso a caso.

O que o governo pode fazer para mudar esse quadro? Muito pouco, dado que qualquer mudança depende do apoio do Congresso, e o governo carece justamente dos meios para conquistar esse apoio. O Congresso, por sua vez, não quererá abrir mão do poder para se tornar mais dependente do governo.

O Supremo exerce com razão seu papel quando determina a maior transparência e rastreabilidade das emendas, mas ir além disso para determinar seu valor, ajudando o Executivo a recuperar o controle do orçamento, parece extrapolar qualquer ideia razoável de suas atribuições. Não que isso o impeça. Um conflito entre os dois está no horizonte, mas por enquanto quem paga o pato dos avanços do Supremo é o governo.

De sábado a segunda-feira, assistimos aos discursos dos novos presidentes da Câmara e do Senado, bem como do presidente Lula, exaltando a relação de governo e Congresso, prevendo dois anos de colaboração. Pelo exposto acima, contudo, penso que a relação pode até se tornar um pouco menos conflituosa, dada a personalidade mais conciliatória de Hugo Motta, mas não mudarão os termos básicos nos quais a colaboração se dá: a faca no pescoço.


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